Feirão da
casa própria pode não ser tão bom quanto parece
Nesta sexta-feira, chega a São Paulo a 8ª edição do Feirão da Casa Própria
da Caixa Econômica Federal munida da sua tropa de vendas, balões, cafés grátis
e toda produção digna de um evento publicitário. Tal como nos últimos anos, o
evento deverá atrair milhares de potenciais compradores, porém, este ano o
Feirão tem um elemento que o torna ainda mais atrativo: a queda dos juros para
crédito imobiliário.
Alguns potenciais compradores que visitaram o Feirão da Casa Própria no Rio de
Janeiro, declararam não sentir na pele (ou seria no bolso?) a redução da taxa
de juros. Mas, afinal, é possível que os tão badalados cortes nos juros não
beneficiem o consumidor? Será que milhares de propagandas, atores famosos,
mensagem de prosperidade e o discurso da presidente em rede nacional foram em
vão?
A priori a redução deveria ser benéfica e com um impacto imediato, uma vez que,
as margens de lucro dos bancos no Brasil foram reduzidas de estratosféricas
para enormes. No entanto, é necessário observar o comportamento dos preços dos
imóveis antes de afirmar se o consumidor será ou não beneficiado pela redução
nos juros, ou se a mesma representará uma mera transferência dos lucros dos
bancos para as grandes construtoras. De forma bem simples, de que adianta pagar
mais barato pelo dinheiro se o preço do bem, no caso o imóvel, estiver muito caro?
Será que estamos vendendo a prataria para comprar o almoço?
Suponha que o consumidor pretenda comprar um imóvel com valor de R$ 300.000.
Com a antiga taxa de juros de 10% ao ano, o consumidor que pretendesse
financiar esse imóvel em 10 anos e sem entrada, pagaria uma parcela mensal de
aproximadamente R$ 3.893.
Se o preço do imóvel permanecer constante, com a nova taxa de juros de 7,9% o
consumidor deveria pagar nesse mesmo financiamento uma parcela mensal de R$
3.581 (i.e, uma diferença mensal de R$ 312,20). O ganho total do consumidor com
esse financiamento seria, portanto, de R$ 26.154,.
Porém, o que aconteceria caso o preço do imóvel aumentasse? A medida que o
preço do imóvel aumenta esse ganho total do consumidor de R$ 26.154 passa para
o bolso das construtoras. Por exemplo, se o preço aumentar para R$ 315.000, o
ganho da construtora aumentará em R$ 15.000, enquanto o ganho do consumidor
será reduzido nesse montante, para cerca de R$ 11.154.
Perceba que,se o preço do imóvel aumentar em R$ 26.154,12, todos os potenciais
ganhos do consumidor serão transferidos para as construtoras e, para qualquer
aumento de preços superior a R$ 26.154 o consumidor passará a ter perdas, em
vez de ganhos com a nova taxa de juros.
GANHOS E PERDAS COM A REDUÇÃO DE JUROS
Quanto mais sobe o preço dos imóveis, mais os clientes perdem, mesmo com
juros menores; nesta simulação, os compradores perdem a partir de R$ 330 mil
Imagine um bolo que deve ser dividido entre banco, consumidor e construtora.
Ao reduzir os juros o banco abre mão de uma parte desse bolo e, com isso, sobra
mais para dividir entre consumidor e construtoras. Porém, dependendo da “fome”
e da “gordice” das construtoras, elas podem abocanhar todo o pedaço de que o
banco abriu mão e, nesse caso, o consumidor não seria beneficiado podendo até
ser prejudicado pela redução da taxa de juros.
Nesta festa de aniversário, o primeiro pedaço vai para o banco que financia e o
segundo para as construtoras. O governo impôs um regime aos bancos, porém o
setor imobiliário tem se mostrado faminto e em um regime de engorda com suas
altas indecorosas de preço. O consumidor deve tomar cuidado para não acabar sem
nada ou com um pedaço bem amargo.
Mesmo antes do início do feirão, partes interessadas no aumento dos preços e de
olho na sobra do bolo já começam seu discurso. Por exemplo, Celso
Petrucci, economista-chefe do Secovi (Sindicato das Empresas de Compra, Venda,
Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo),
afirmou que "essa redução dos juros pode ser utilizada de duas formas:
quem não conseguia comprar imóvel pode ter o seu imóvel e, agora, quem tiver
condição, pode comprar um imóvel 10% mais caro pagando as mesmas
parcelas".
Em muitos casos esse “imóvel 10% mais caro” será o mesmo imóvel, só que com o
preço 10% superior. No exemplo acima, tal aumento do preço levaria o consumidor
para uma situação pior mesmo com a redução dos juros, ou seja, com esse aumento
do preço as construtoras teriam um ganho superior ao benefício de R$ 26.154
gerado pelo corte dos juros.
Em suma, o corte das taxas de juros cria um benefício que deve ser dividido
entre consumidores e construtoras. A forma que as construtoras têm para se
apropriar desse benefício é através do aumento dos preços dos imóveis,
propagandas e um batalhão de corretores tentando fazer o consumidor acreditar
que a oportunidade é “única”. Vale lembrar que quanto mais os preços
aumentarem, menor será a “fatia” que sobra para o consumidor.
A melhor forma de manter esses preços em patamares razoáveis é estimulando a
competição no setor imobiliário e educando o consumidor para que não caia nas
“liquidações imperdíveis”. Tarefa que não é tão fácil para o governo, pois este
não possui duas ou três grandes construtoras que possa utilizar para forçar uma
“guerra de preços” no mercado imobiliário, tal como utilizou a Caixa Econômica
Federal e o Banco do Brasil para forçar a queda das taxas de juros.
A lógica se aplica também para uma série de outros mercados cujas taxas de
juros para financiamentos diminuíram nos últimos tempos, como o mercado
automobilístico. Em muitos desses mercados, a falta de concorrência faz com que
os produtores possuam um grande poder de mercado que os permite influenciar os
preços, de forma a apropriar-se dos benefícios criados pelo corte dos juros.
Se for comprar um imóvel, tenha certeza que o preço que está pagando é
razoável, não se deixe levar por impulso ou pelas aparentes barganhas em taxas.
Tome cuidado para não deixar sua parte do bolo nas mãos do faminto setor
imobiliário.
(* Colaborou Miguel Bandeira, graduando em economia pela EESP-FGV,
consultor e conselheiro da CJE-FGV; Samy Dana é PhD em finanças e professor da
EESP-FGV)